FERRO E FOGO: POSITIVISMO E PRUDÊNCIA EM TEMPOS DE LAVA JATO

COLUNA - Cidadão Digital: Educação, Direito e Inovação na Era Digital
Os filósofos pré-socráticos identificavam na natureza a presença de quatro elementos essenciais: a água, o fogo, o ar e a terra. Na Terra Braslis do século XXI, os elementos são: fogo, água e ferro.
No início do mês de setembro, um incêndio de grandes proporções destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O episódio escancarou antigas chagas dos poderes estatais na cidade mais representativa do Brasil.
O Estado é vítimizado por um Poder Executivo em chamas; um legislativo que se afoga cada vez mais em lama e um Poder Judiciário aturdido, empunhando a sua espada de ferro contra tudo e contra todos.
Especialmente no Judiciário, parece que a Thêmis aflígida já abandonou a balança e hoje empunha uma espada de ferro corroído, contra séculos de imoralidades.
Em tempos de Lava Jato, sucessivas discrepâncias nas manifestações dos juízes evidenciam cada vez mais o insucesso na busca pela verdade dos fatos, fazendo ressurgir o argumento pela aplicação do método científico de interpretação do Direito.
Apresentado como instrumento capaz de conferir segurança aos jurisdicionados, que constitui objetivo cardeal do positivismo jurídico, o método científico está relacionado, em tese, à razão expressa na coerência sistemática do ordenamento.
Para a Escola da Exegese, representante clássica desse pensamento, a capacidade do legislador de avaliar com exatidão as questões sociais culminaria na edição de um sistema de leis perfeito, cuja completude afastaria todas as antinomias e lacunas.
O fracasso dessa concepção nos foi apresentado por Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, quando ele demonstrou que o legislador - e também o juiz - intérpretes autênticos do ordenamento jurídico, destacam-se pela aptidão intelectual de constituírem as normas jurídicas a partir das escolhas que fazem entre várias alternativas possíveis.
Segundo Kelsen, a motivação subjetiva do agente ocupa um lugar de destaque na interpretação autêntica do Direito; e, sendo assim, qualquer órgão jurídico terá condições de manifestar vontades, tendo como parâmetro apenas a imagem de uma moldura que visa conter os excessos.
Contudo, esse espaço não pode criar para o magistrado a ilusória permissão para a fundamentação genérica das questões que as partes lhe submetem. Atuando sob o manto do livre convencimento motivado, alguns juízes poderiam relativizar os ideais positivistas, vitimando, nomeadamente, a segurança.
É nesse ponto que a luz de Aristóteles pode iluminar a complexa questão das interpretações da norma jurídica. Aquele que usou da régua de lesbos para falar da equidade como justiça aplicável ao caso concreto, apresenta-nos a prudência como virtude intelectual capaz de respaldar uma decisão judicial razoável.
É a prudência que oferece os elementos para que o intérprete observe os fatos com objetividade, sem se deixar levar pela sua própria vontade. Conservar na memória, sem desvios, os acontecimentos sub judice, manter-se aberto ao diálogo e, finalmente, preservar o momento oportuno para a sua manifestação.
Nos nossos dias, o problema é a falta de moderação. Quando se vê juízes agindo como advogados ou promotores, defendendo apaixonadamente as suas teses sem se abrirem para o debate argumentativo, seja com as partes seja com os seus pares, percebe-se de onde vem a situação de insegurança jurídica em que vivemos.
A moderação, enquanto elemento cognitivo da prudência, deveria ser encontrada na prática da magistratura desde a primeira instância (no uso do processo como procedimento em contraditório) até, e mais ainda, nos tribunais, local ideal para a atuação em colegiado, importante modelo na construção de decisões racionais oriundas da deliberação em conjunto.
No entanto, o que se vê, por exemplo, na postura adotada pelo Supremo Tribunal federal, é uma apresentação de teses intangíveis, cujos posicionamentos se submetem ao ego dos seus prolatores.
Enquanto a prudência não for institucionalizada, continuaremos a ter magistrados empunhando suas espadas de ferro corróidas, golpeando no amontoado de princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro para encontrar os fundamentos para fazer prevalecer as suas vontades.
Inegável que é preciso prudência para apagar nossos incêndios e curar nossas chagas. E, sendo inviável e extemporâneo o simples retorno à Escola da Exegese, é preciso, antes de mais nada, resgatar a prudência. Justiça é ferro que se forja com cautela, água e fogo.
René Vial é doutorando em Direito Privado, mestre em Direito e especializado em Gestão. É advogado e professor de graduação e pós-graduação.
Direção de conteúdo

Alex Cabral: Mestre pela Universidade de Lisboa (Portugal). Doutor pela PUC-MG. Advogado e Professor em cursos de graduação e pós graduação.

Lorena Lage: Palestrante. Advogada Especializada em Direito e Tecnologia. Coordenadora da Pós Graduação em Direito e Tecnologia das Faculdades Arnaldo.
Comments